terça-feira, dezembro 25, 2007

8 de Dezembro de 2004

Viva o hóquei do Cambra!

16 horas - Toca o despertador. É um alívio não ter o pessoal do escritório a martelar-me a cabeça. Estes feriados a meio da semana sabem bem. Fico mais um bocado na cama, a sonhar acordado que estou abraçado a uma gaja boa e meiguinha. Passados 45 minutos acendo a luz, tiro os tampões dos ouvidos. Leio A BOLA e constato que o jogo de hóquei entre o Benfica e a Académica de Cambra começa às 18 horas. Pensava que era às 21.
Nem banho tomei. Foi comer a correr e ir até à Luz. Quando cheguei o jogo estava com três minutos e o Benfica já estava a levar na ripa. A Académica de Cambra trouxe uma claque de umas 80 pessoas e ainda acreditou que a vitória não fugia, pois os amarelo-e-pretos estiveram a ganhar por 3-1 e 4-2. Mas as barracadas do keeper e algumas más opções de José Fernandes, somadas a alguma sorte por parte do Benfica, lá deram o empate a quatro. O meu Sporting estava a perder por 1-0 em Gulpilhares e o FC Porto ganhou 4-3 à Oliveirense a 9 segundos do fim.
Na FNAC Colombo comprei o DVD da “Cidade de Deus”, que não chegava aos 13 euros e é um grande filme. Encontro o Abel Barros Baptista, que não se deixou convencer disso.
Janto no Pasta Caffé do Saldanha. À minha frente janta um casal. Ele um latagão de cabelos grisalhos e ar fleumático, praticamente todo o tempo calado e a olhar para o ecrã do telemóvel. Ela uma trintona de jet-set, pinta de cigana, estilo Carmen. Morena, brincos grandes nas orelhas, cabelo preto encaracolado, um sorriso bonito, um olhar penetrante. Uma pantera na cama. Nem vale a pena perguntar ao Boavista.
Passou o tempo todo a dar música ao cavalheiro.
“Gosto da aventura. O trabalho não me dá tusa. Os pretos é que dão. Ou nem é isso. Homens árabes. Quero um homem que goste de mim pelo que sou, não pelo que tenho. Não tenho nada de jeito. O dinheiro vai e vem. Mas a avó diz que você vai ‘tar sempre na minha vida”.
O latagão de pullover Ashworth continua imperturbável a olhar para o telemóvel. E ela a fazer-lhe a cabeça lenta e sincopadamente, com a voz sensual e o olhar a esbarrar no pullover do gajo.
“Preciso de sol na minha vida. O Brasil é muito longe. Gosto mais dos espanhóis. Você, quando me viu a primeira vez, pensou o quê? Eu ‘tava com o cabelo mais curto. E o resto, ‘tá igual?”.
Depois a conversa desmarcou-se para as metáforas cavalares. Nada de zoofilia, novamente (é verdade, comprei um DVD com zoofilia cavalar, mas aquilo é chato à brava. Afinal aqueles DVD de zoofilia de produção holandesa são feitos por húngaras).
“Eu cavalo ressabiado é um cavalo que não gosta de ser montado”.
(por acaso ela dizia ressaibiado)
“Não gosto que mandem em mim. Ele é meu patrão, mas as ordens dele “é” uma chatice. Não gosto de receber ordens, mas preciso das pessoas”.
Dos cavalos a sério para os cavalos automóveis?
“Você tem um descapotável? Você tem confiança em mim? Acha que eu era boa secretária?”.
Pedem café. Eu peço um lemoncello. Quero saber como aquilo acaba.
“Não posso já, já, já. Quando é que quer? Diga quando é que quer. Seja explícito. Isso é para quando? Já Janeiro? Em Janeiro ainda não tenho a minha casa vendida”.
O gajo fala. Pouco, mas fala.
E ela: “Mas é para quantos de Janeiro? Diga. É a segunda vez que me ‘tá a propor uma coisa boa. Mas o que é que eu fazia lá, mais ou menos?”
Ele: “O que fosse preciso”.
Perco um bocado da conversa com os barulhos.
“A casa é uma chatice. É como o outro. Posso ter tudo num hotel. Desde que tenha uma boa fechadura. Não me importo nada. Posso fazer tudo desde que tenha a minha vida organizada”.
E saíram. Ela de casaco de peles cinzento. Eu fui até ao Galeto. E depois vim para casa escrever o diário. São 5 horas e 3 minutos.

quarta-feira, dezembro 19, 2007

7 de Dezembro de 2004

Agustina em grande forma na Gulbenkian

15h05m - Entro na Gulbenkian, já atrasado para assistir ao painel das 14h30m do segundo e último dia de “A língua portuguesa: presente e futuro”, uma iniciativa que teve a presença constante do Jorgito dos Bilhares, quer dizer, o nosso PR Jorge Sampaio, que só arredou pé da primeira fila do auditório 2 às 16 horas e 9 minutos, tempo módico de Green Witch.
Tinha consultado o programa do colóquio e interessava-me ouvir o primeiro painel da tarde. Quando começo a descer as escadas depara-se-me o inimaginável. Há gente sentada nas escadas de madeira, tipo filósofos gregos. No átrio, um ecrã gigante transmite o que se passa no auditório 2. Mais tarde venho a saber que ainda existem mais dois pequenos auditórios a cobrir o acontecimento em directo. Tanta gente interessada pela Língua Portuguesa e eu para aqui a maltratá-la!
Bem, como estava desconcentrado com a comunicação de Agustina Bessa-Luís (era só malta a subir e a descer as escadas), resolvo tentar entrar no auditório 2 antes de começar a intervenção seguinte. Foi muito fácil. Identifiquei-me como jornalista e fiquei repimpado da Silva na cadeira encostada à parede da segunda fila da frente. Pois é, não há nada como ser um gajo importante.
Isabel Alçada (capa do JL no dia seguinte) falou, entre outras coisas, do tratamento do sexo na literatura infantil. E concluiu que “chegar à grande literatura é um processo lento e longo. Há uma interacção da aprendizagem da leitura e da escrita”, reforçando que no estrangeiro a leitura é intensiva. Gastão Cruz foi igualmente interessante, tendo citado Ruy Belo quando afirmou que um médico nunca deixava de ser médico por ser mau profissional. Mas um poeta, se fosse mau poeta, perdia essa qualidade.
Ondjaki, indiscutivelmente uma espécie de José Luís Peixoto de carrapito, no que toca ao afecto feminino, frisou que “a língua é a língua de uma onda gigante que aí vem. E eu vou mais fazer uma instalação do que ler um texto”. Não topei instalação nenhuma. De resto, a Gulbenkian já está muito bem servida de instalações.
Fora de brincadeiras (porquê, sim, porquê?) o homem é bom e tem o dom da palavra: “O maleável não pode ser amarrado. Uma língua grávida pode parir culturas”.
No entanto, mesmo em boa forma, Ondjaki não pode nunca competir com o espírito subversivo de Agustina, que levantou o estádio da Gulbenkian por várias vezes:
“A hostilidade é profundamente erótica. Reprimir pode inspirar. A culpa é inspiração. O exercício do pecado é o caminho de todos os tempos. O homem é violento para se afirmar. A mulher não precisa da violência para nada. Basta-lhe a maternidade. Mas só com mulheres no mundo a ser mães ainda estávamos na Idade da Pedra. Foi a inveja do Homem que permitiu o desenvolvimento da sociedade”.
Inspirado pela Agustina, fui o primeiro a levantar o braço para a breve sessão de perguntas, limitada a quatro questões pelo Professor Carlos Reis, moderador do painel, outro dos motivos que me levou ao estádio.
— Diga o seu nome, por favor.
Claro que não desperdicei a oportunidade do trocadilho com a famosa peça “Português, escritor, 45 anos”.
— Luís Graça, português, escritor, 42 anos.
Logo ali cativei a assistência. E lá perguntei à Isabel Alçada se um puto que vai à meia-noite para uma enorme bicha, só para comprar o último Harry Potter enquanto está fresquinho, pode vir a dar num leitor de Sophia de Mello Breyner ou António Lobo Antunes.
Carlos Reis agradeceu-me a brevidade. Eu não pergunto para me exibir. Só pergunto quando quero saber qualquer coisa. Estava eu a começar a falar novamente, quando o moderador me disse amigavelmente:
— Não estrague...
Esclareci apenas que tinha sido aluno dele via TV, no Propedêutico de 1979/1980. Acabava sempre as aulas com a frase: “Nada mais por hoje. Até à próxima lição”. E usava uma barba estilo Alexandre Herculano. Cá fora, depois da sessão, trocámos breves palavras, ao lado de Inês Pedrosa, Nuno Júdice e Manuela Júdice. Foi aí que encontrei o meu amigo Prol, com quem intercambiei demorados olhares, prenhes de fraternidade cúmplice.
Anh? O kékefoi? A resposta da Isabel Alçada? Pá, ficou assim numa onda de nunca se sabe. O futuro só a Deus pertence.

17h26m - Depois de um pequeno passeio pelos jardins, para tomar ar, regresso para a sessão de encerramento, prevista para as 17h30m. Mas já tinha começado. Não há dúvida de que foi um congresso estranho. Muita gente, painéis adiantados...
Vou para o auditório 3. A Lídia Jorge estava a falar, sentiu-se mal, teve de abandonar o palco. Depois veio o Prado Coelho, que agradeceu à maltosa toda e passou a bola ao Rui Vilar. E depois eu dei de solex e comprei três postais do José de Guimarães e um catálogo da exposição, a que não tiraram o controlo electrónico e que se pôs a apitar à entrada do El Corte Inglés. Comprei o “Fada Láureas” para dar como presente na Tertúlia BD de Natal.
Cheguei à TBD (primeira terça do mês, já sabem) e o FC Porto estava a jogar com o Chelsea, no Dragão. Fiquei de frente para a TV, mas sempre a falar com a malta. O André Carrilho foi um dos distinguidos na sessão. Depois fomos até ao Foxtrot. No caminho (de boleia com o meu amigo Álvaro Santos) fiquei na conversa com outro elemento bastante fresco, o Pedro Alves. A namorada é professora e nas aulas sobre sexualidade sai-lhe cada pitéu que é de um gajo ficar de cara à banda. Um puto de 15 anos confessou sentir alguma culpa por se masturbar na sala, ao lado da avó, a ver o canal 18. Mal a avó adormece, ele muda para o Canal 18 e orienta-se. Mas o acto provoca-lhe uma sensação de culpa.
Mas nem só de rapazes vivem os desabafos. Uma miúda esclareceu que se sente bastante perturbada com a actividade sexual dos pais. A cabeça da mãe bate na cabeceira da cama e o “bang-bang” sensual deixa a nossa adolescente uma bocado perturbada. Obrigado! Ouvir os pais a foder à maluca é sempre traumatizante para qualquer terráqueo. Muito mais nestas idades complicadas.
O Foxtrot fechava às 3 da manhã, para variar.
Comi dois cachorros (agora não estou a falar de zoofilia, foi dos outros), bebi dois S. Francisco sem álcool e a noite findou com o Lino frustrado por se ter desconcentrado na snookerada com o Álvaro Santos.
Vim para casa de boleia com o António, a quem prometi fotocópias dos artigos de jornal com as críticas ao concerto dos Ena Pá 2000.
Adormeci pelas 8 da manhã.

domingo, dezembro 09, 2007

4 de Dezembro de 2004

Esgalha aí uma, ó solitário, disse a menina húngara!

08h – Acabo todo o trabalho de impressão e organização de que preciso para a primeira sessão de autógrafos no bar da livraria Assírio e Alvim, no King Triplex. A noite foi cansativa, mas ao mesmo tempo fico mais descansado. Já tenho as coisas feitas. No entanto, acho que o melhor é mesmo tomar um kainever, por causa das tosses.

(Por causa das tosses o melhor é um rebuçadinho de Santo Onofre, do Dr. Bayard ou um Halls de mel e limão. Por causa das tosses foi força de expressão).

Apesar do kainever não consigo dormir. A minha cabeça está ocupada com muitas coisas.


10h - Decido apanhar a sessão da manhã de hidroginástica, no Holmes. Estreio-me na água com o Hugo Castro, que cria um ambiente muito simpático. Mais tarde venho a descobrir que é filho do jornalista Mário Rui de Castro e neto de um grande companheiro das lides profissionais: Joaquim Castro, muito justamente distinguido pelo desempenho das suas funções. Um dos meus professores de hóquei em patins e um homem profundamente elegante na forma como está na vida.
Apesar da “directa”, aguento-me bem na aula. Depois fico a nadar um bom bocado, para me cansar ainda mais. E porque uma piscina sossegada é um bom local para desopilar de uma “directa”. Conheço o monitor de hidrobike, o Raúl. Fico a espreitar meia-hora da sessão de hidrobike, com os sócios do Holmes que não podem fazer a sessão na Defensores de Chaves, por causa das obras.
Almoço e vou para a Luz, ver o hóquei do Benfica, com o VIC, para a Taça CERS. Ganhou o Benfica 5-2, mas esteve a vencer por 4-0. Deixou reduzir para 4-2 e marcou o quinto golo a 16 segundos do final. A equipa das “águias” continua abaixo das minhas expectativas e o encontro não foi grande espingarda. Começo a sentir-me muito cansado e zonzo.
Vou até ao Colombo e tomo um táxi para o Príncipe Real. Uma amiga lança um livro infantil na livraria Ler Devagar. Fico lá a conversar, tomo um favaios, compro o livro e desço até ao Chiado. Vou à FNAC. Compro um álbum de BD.
Quando desço para os Restauradores, a caminho da loja Tema, lembro-me de que me falta cumprir uma promessa aos leitores.

Já me estava a passar, mas tinha prometido assistir a um espectáculo de sexo ao vivo na loja ao lado do Elevador. Uma das Mega-Sex. Nunca sei se é a 1 ou a 2. Não me chamo Tomás, por isso não me podem considerar um “peeping Tom”.


20h 22m - Entro e consulto os horários na parede das cabinas circulares. Faltam 8 minutos para começar um show. Serve muito bem. O espectáculo é protagonizado por uma dupla espanhola. Vou à cabina dos trocos e pergunto como é que aquilo funciona.
É assim: começa com três euros para abrir a “comporta”. Dizem-me que com cerca de 8 euros dá para ver o espectáculo todo, que leva aí uns 15 minutos. Troquei dez euros em moedas e não as quis meter no bolso. Sei lá onde é que andaram as moedas. Fico com elas na mão direita, pronta a entrar em acção nas ruelas de Ranhura City. Quem mete moedas mais rápido do que eu? Apenas Billy, the Kid.


20h30m – Os artistas entram em palco, quais gladiadores sexuais. O palco é vermelho, rotativo, em velocidade de cruzeiro.Aquilo lembra o “Paris, Texas”, do Wim Wenders, que me deslumbrou numa sessão do Londres. Lembro-me da Kinsky. Mas a menina espanhola é diferente. Magrinha, ladina, pequenina, estilo colegial, com dois totós a apanhar os lisos cabelos negros. O parceiro é um tipo lingrinhas, com uma barbita à César Bórgia e umas calças de camuflado à Parfois.
A chavalita abre-lhe a braguilha e vá de aviar no vigoroso, que se faz tarde e não há tempo para grandes preliminares. Talvez o palco rotativo provoque tonturas nos artistas. A erecção do senhor não é lá grande coisa, mas o tamanho do bicho é bem acima do normal. Nem pensar em socialismos utópicos como a prática onírica do “deep throat”. Dá lá para enfiar um mangalho daqueles pelas goelas. Nem a “Barracuda de Trás-os-Montes”!
Lá vou metendo as moedas no “peepxímetro” e ainda tenho mais uns moedas de 1 euro no bolso. Não estou puto excitado, porque o meu objectivo não é masturbar-me. Estou com os sacos da FNAC na mão e ainda não percebi que os artistas me podem ver. A ideia é mesmo descrever a cena ao leitor e bazar dentro de 20 minutos. Não me passa mesmo pela cabeça “esgalhar ao pessegueiro”, na terninologia da Força Aérea, segundo contou o Zé Tó no Liceu Camões. O Zé Tó era um grande matulão que fazia anos no mesmo dia que eu e hoje trabalha em hotelaria.
Cinco minutos volvidos, meto os cornos mais perto do vidro e espreito para o tecto, para poder descrever tudo minuciosamente. O tecto tem luzinhas e começo a prestar mais atenção aos espelhos que circundam a cabina, tipo caleidoscópio.

O menino toma a iniciativa das posições. Vai ajeitando a menina e vão trocando de tempos a tempos. A erecção continua a meio-gás, mas dá perfeitamente para penetrar. O par tem à-vontade interactivo, está bem automatizado, mas a coisa tem ar de cena normal, muito diferente dos atletas dos filmes porno.
A menina Natália chupa mais um bocadinho no Carlos e acabam por se ir embora, dizendo-me adeus. Não respondo, porque ainda não percebi que me estão a ver. Fico espantado por o menino não ter ejaculado. Assim é mais fácil fazer vários espectáculos por dia. Lembro-me de um livro do italiano Alberto Moravia (“A virgem guerreira” ou “A romana”?) em que uma senhora que sustentava um jovem exigia que ele se viesse dentro do seu rabo. Eróstrato era o nome do mocinho.
Ainda estou a pensar nisto, entra logo uma menina de “soutien” rosa para o palco. Sorri-me. Show de strip. Olho para o “peepxímetro”. Tenho créditos. Mais vale esgotá-los. Mas considero a minha missão cumprida. Percebo então que me vêem. Os espelhos do outro lado reflectem a minha cara. Só não vejo é os outros clientes.
Passado um bocadinho, a menina fica nua rapidamente e começa a fazer-me sinais com a mão: 6. Ahn? Mas 6 o quê? Penso que tenho de mudar para a cabina 6. Na minha cabecinha de estreante no “peep”, com “directa” em cima, a versão que faz sentido é esta: para o sexo ao vivo é uma cabina, para o strip temos de ir para outra. Mas então o que faço aos créditos? Tento carregar na ranhura para os recuperar. Népias. Perco para aí 1 euro. Lá saio e entro na cabina 6. Meto três euros e lá está a menina morena a sorrir-me. Penso: já estou outra vez legal, mas isto é um bocado mal feito, parece o meio-campo do Benfica e do Sporting. Nunca se percebe muito bem o que se está a passar entre os jogadores.
Entre uma loura para a cabina, fica logo nua e faz-me sinal com os dedos: 8. Mas 8 o quê? 6 e 8 são 14, pronto. Ainda agora entrei aqui e está aquela a mandar-me para a cabina 8. Continuam a sorrir para mim. Nesta altura percebo perfeitamente que me estão a ver. Concluo que estou no local errado à hora certa, mas que elas não estão muito zangadas com o meu estatuto de imigrante ilegal. Vou fazendo gestos para elas, mas o diálogo gestual está num impasse. Encolho os ombros. Sei lá o que se está a passar, parece um solo de clarinete do Courtney Pine.
Saio outra vez da cabina com créditos. Não vejo nenhuma cabina 8, para onde ela me está a apontar. Ao lado da que acabei de sair diz 11. Começo a sentir-me o Saltitão Tornicotim Tornicotão do “Carrossel Mágico” da minha infância. Mas não vejo o Franjinhas (deve estar nos filmes de zoofilia), a Anita (deve atacar no Cais do Sodré) ou o gajo da estação (por certo líder sindical da CP).

Sinto-me um bocado como na sala das máquinas do Casino Estoril. Sempre a abrir. Só que em vez das três maçãs apareceram-me duas gajas todas nuas que não dão “jackpot”.
Vou à cabina dos trocos esclarecer a situação e pedir a táctica ao mister. O gajo é bastante simpático. Na TV do fundo, ao alto, está a jogar o Belém, na Sport TV. Ponho-me a falar da minha deslocação a Mostar, pela Gazeta dos Desportos. O moço dos trocos (que é o “speaker” dos espectáculos de sexo ao vivo, gramava fazer um relato, um dia destes) explicou-me que o que elas indicam é o seu número de código e não o da cabina. Estavam a tentar atrair-me para números privados. Sabia lá eu!
Afinal eu não estava ilegal. Estava era a fazer figura de urso. O corpo já não está a funcionar lá muito bem, a cabeça ainda menos.
Pergunto os preços. O moço diz que é a partir de dez euros, mas que não pode negociar. A questão é mesmo com as meninas, em diálogo ao vivo. Elas é que sabem. As cabinas são ao canto, com cadeiras de um lado, vidro ao meio e menina do outro.
Bem, já que estou ali para informar o leitor, resolvo “ir” com a Shirley, a loura. Pergunto se posso pagar via multibanco. Não tenho problemas de controlo de talões em casa. Assumo tudo. Sou solteiro e bom rapaz. Fica assim combinado com o moço dos trocos: vou lá à cabina combinar com ela, depois regresso para pagar no multibanco e volto à cabina. O moço dos trocos diz-me que elas são de leste e falam espanhol.
Lá chego à cabina.
Olho para o chão. É de empedrado. Parece-me limpo. Olho com cuidado. Mas mesmo assim não pouso os sacos no chão. Sento-me e fico com eles ao colo, o que representa um volume considerável. São vários jornais, o livro infantil da minha amiga e o álbum de Monsieur Mardi-Gras, segundo volume. É uma visão da morte cheia de humor negro, com um pendor filosófico e um desenho fabuloso. A preto-e-branco, claro.
A menina chega e pergunta-me em espanhol:
— Isso são presentes de Natal?
— Não. São jornais e um álbum de BD para mim. E um livro infantil para a filha de um amigo, que se chama Patrícia Alexandra.
Iniciamos as conversações, como me tinha dito o moço dos trocos. Digo que quero um espectáculo com um “consolador” (ó pá, o que é que querem, os espanhóis dizem assim...) e ela pergunta:
— Vibrador?
— Sim.
Pois.
— São 40 euros.
— Quanto tempo?
— Dez minutos.

Mais tarde percebo que aquilo dava para baixar (digo eu), mas pensei que não estava em Marrocos e que era “prix unique”. Que não dava para negociar “bon marché”. Que o preço estava tabelado por elas como nos clubes de strip. Digo que vou pagar ao multibanco e volto.
E ela: “Não voltas nada!”.
Foda-se! Se há coisa que me tira a tesão é chamarem-me mentiroso!

(N.A. - Não é nada disso, mas o melhor é preparar o leitor para o desfecho que se segue)

Ela pergunta-me quanto tempo demoro. Atão? Estamos no contra-relógio dos mundiais de ciclismo? Num rally paper? Numa prova de orientação?
— Não sei. Depende do senhor do multibanco e dos clientes.
Ela diz para eu ir pagar e voltar. Espera por mim cinco minutos.
Bem, lá saio. Sou um homem de palavra. É óbvio que vou voltar. Prometi aos leitores que lhes dizia como era um show de sexo ao vivo e aqui estou eu! Assim como assim, lá vou esvaziando a conta, de uma maneira ou de outra.
Pago os 40 euros no multibanco (sem espinhas, o gajo do multibanco também é bastante simpático) e depois tenho de passar pelo moço dos trocos, com o talão, para ele me dar os 40 euros em “pat cash”.
Quando regresso à cabina vejo que tranquei a porta (que é de correr) sem saber que o tinha feito. Volto e chamo o moço dos trocos. Ele lá vem solícito, qual bombeiro:
— Isto está a transformar-se numa odisseia — digo eu, sorridente.
Entro. Ué? Cadê a minina? Mistério! Mistério! Mistério! Como diriam os grandes palhaços Colombaioni, com quem tive o privilégio de dividir o palco do Trindade, quando me sacaram da assistência para fazer um número de homenagem ao cinema mudo.
Isto não é cinema mudo, mas tem partes gagas. O moço dos trocos diz que vai chamar a menina. Lá me torno a sentar, com os sacos ao colo. Não tenciono preocupar-me com erecções. Só quero ver a menina para descrever ao leitor o espectáculo. E estou todo estoirado da “directa”.

(N.A. - É verdade, mas é mais uma desculpa para o desfecho que se segue)

Finalmente, aparece a menina e diz-me para carregar na tecla 8 e pôr 3 euros na ranhura. Aquilo parece o intercomunicador de um prédio.
— De onde achas que sou?
— De leste, certamente.
— Sou da Hungria.
— Budapeste?
— Sim.
— És muito bonita.
— Sou assim-assim.
— Não sejas modesta. Bem, é agora que te dou as notas, não é?
— Pois.
Passo-lhe uma nota de 20 e duas de 10 pela fresta do vidro, que deve ter uns 3 a 4 centímetros, se tiver. A fresta está junto à parede do lado direito da cadeira. Mal dá para meter os dedos. Convém, para o pessoal não se esticar.
Ela volta a perguntar-me que livros tenho no saco. Eu ainda acredito que é curiosidade natural. A menina da Letónia no “Maybe” não me viu o “Fadas Láureas” de ponta a ponta e não ficou a falar comigo uma meia-hora de literatura russa? E nem sequer bebeu nada. ‘Tá bem que era tarde e aquilo já estava “slow”, mas mesmo assim...
Seja como fôr, peço o livro das regras:
— Time out. O tempo então não conta para os dez minutos combinados, pois não?
Ela concorda. Mas o facto é que os créditos estão a cair. Não me apercebo que está a contar para a chave do totobola. Pensei que era 40 euros/dez minutos/show de vibrador. O tanas!
Mostro-lhe umas páginas do Monsieur Mardi Gras, pergunta-me a profissão, lá digo umas coisas, o meu nome, etc. Olha, os 3 euros acabaram!
Ela diz-me que tenho de ir buscar mais. Eu protesto de forma civilizada. Afirmo que já andei demais no “Carrossel Mágico” e que tínhamos combinado que o tempo não estava a contar. Atão? Isto é tudo do Alberto João Jardim?
Ela diz que se eu tiver dinheiro vai trocar para mim. Desconfio que não é um procedimento comum, que o espectador normal é tipo cãozinho de língua de fora e já vai preparado para andar tipo space shuttle, “vaivém especial”.
PONTO DA SITUAÇÃO (eu sei que tenho cara de otário solitário): já arrotei uns 15 euros no sexo ao vivo, mais 40 no espectáculo combinado, mais 3 a abrir a janela.

Bem, acabo por condescender. Perdido por um, perdido por mil.
Ela sai da cabina e volta pouco depois, com a minha última nota de 5 euros trocada em moedas de 1 euro. E eu ainda tinha mais umas três moedas de 1 euro no bolso, mais uma série delas de 50 cêntimos e 20 cêntimos. E outras minorcas. Por acaso era um dia cheio de trocos, por causa dos táxis (de casa para a Luz e do Colombo para o Príncipe Real) e dos jornais.
Lá meto mais 3 euros na ranhura, que dá para os tais dez minutos prometidos de espectáculo. Mas a minha disposição está um bocado amolecida, com tanta burocracia. Deviam criar um Ministério do Peep Show, com um secretário de Estado dos Assuntos Ranhurais.
Ela fica sentada na cadeira, de seios à mostra (bonitos). Pergunta se não quero masturbar-me. Aquilo agarrou-me completamente de surpresa. Já sei que existe papel para limpar as mãos. Ouço contar histórias há muito tempo, mas para mim é todo um mundo novo de Aldous Huxley (por acaso não li o livro).
Não estou para me exibir diante da menina, com um vidro pelo meio. O “El Negrito” é para as eleitas. Para os camaradas do ténis de mesa do Inatel. Para breves instantes no Holmes Place. Aquilo é mais fino e a malta anda de toalhas à volta da cintura, ao contrário do Inatel, em que a malta já conhece a caralhada toda, bem como o estilo de jogo dos adversários.
Palavra de honra que penso assim: no estado em que estou vou dar barraca. Não vim cá para isto. Mas também penso que devo aproximar-me o mais possível da realidade, se estou a escrever sobre as situações. Há limites, claro, mas este ainda é um limite perfeitamente ultrapassável.
O pior é que não faço ideia por onde andaram as moedas. Isso é um factor altamente inibidor. Se nem pousei os sacos no chão (limpo), não vou estar a tocar uma segóvia com a mão que andou a jogar às moedas.
— Tenho as mãos sujas. Não estava a contar com isto. Vinha só para ver. Querias mesmo que eu me masturbasse?
Ela diz que sim e faz um sorriso maroto.

(Nesta altura já estamos a falar em inglês, que o vidro abafa um bocado as palavras e ela mudou do espanhol para o inglês. Lembro-me do ditado que se dizia no liceu: “Surdos e moucos já eu enrabei uns poucos”).

Continuo abananado. Qual era a dela? Já tinha recebido. Mais punheta menos punheta, que diferença lhe fazia? Não estava propriamente toda excitada com os meus sacos da FNAC, com a minhas olheiras de estimação, com o meu ar de otário simpático de capital ibérica.
Talvez pense que um gajo é tímido e depois se pode viciar na punheta “ao vivo”. Não é mal pensado. Não tenho outra explicação.

Talvez goste mais de masturbar-se a dois, retirando algum prazer da situação. Menos provável. Não estou a dizer que não tire nenhum prazer, mas acho que a questão é secundária na vida da menina.
Ela insiste para eu me masturbar. O olhar exerce uma estranha influência em mim. Tipo cobra do “Livro da Selva”, a Casca, com o seu olhar magnético. Além do mais sou um tipo bem avontadado e cavalheiresco, gosto de fazer a vontade às pessoas. Mas dos milhares de portas que já abri para as senhoras passarem até à primeira braguilha numa cabina de uma sex shop vai um passo de Armstrong na lua...
Quando ela saca de um spray dentro de uma pequena bolsa “nécessaire preta”, vão-se-me os argumentos.
— O que é isso? Perfume?
— Não. É álcool puro.
Deve ser para limpar o vibrador. Não estou a ver que toda a gente tenha pruridos como eu. Ou então o spray também serve para ajudar a limpar as mãos dos clientes. Menos provável. Para isso está lá o papel e a ranhura no vidro não está propriamente preparada para o efeito.
Coloco as pontas dos dedos (menos do polegar, que não cabe) através da ranhura, com a palma da mão virada para dentro.
Pff! Pff!
Retiro a mão e esfrego a direita na esquerda. Aquilo não me satisfaz. Apanha pouco álcool. Peço-lhe para repetir quatro vezes. Ela corresponde aos meus pedidos e depois fica um bocado aflita com o ambiente dentro da cabina do lado dela, que quase a faz tossir.
Continuo a esfregar as mãos, mas não é de contente. É para ver se não penso nas moedas. E sei que ali não há sangue ou outra coisa. Mas estas cenas massacram psicologicamente. Ou seja, a fórmula é esta: ‘DIRECTA’+SURPRESA+RECEIOS=UM GAJO INIBIDO.
Espantosamente, nesta altura do campeonato acabo por abrir a braguilha e tirar o “El Negrito” com muito mais descontracção do que seria de esperar. Ainda pensei que ela fosse buscar a lupa do Sherlock Holmes ou se pusesse a gozar com a tonalidade amorenada do “El Negrito”. Não se passou nada disto. Ela olha para o Luisinho de forma natural e esforça-se por fazer um olhar libidinoso. Mas eu sei que é tudo teatro e saber que é tudo teatro também não ajuda nada a minha problemática elevatória.

(À mesma hora, a menos de 20 metros, na Calçada da Glória, um heróico elevador subia sem problemas as vezes que fossem precisas. E carregado de turistas)

Sinto-me um bocado como o Benfica, sempre que os jogadores vão actuar fora de casa: “Cheira-me que vamos perder...”.
A minha masturbação decorre tímida e desesperançadamente. Ela também se masturba e pisca-me o olho. Pisco-lhe também o olho.
— Um a um — digo eu.
— O quê?
— Um a um em piscadelas de olho.
A obrigação de defender a honra de Portugal não ajuda nada à situação. Se estivesse a jogar pelo Sporting não havia problemas. A derrota é uma coisa habitual, mas pela selecção...
Instintivamente, sei que aquilo vai dar em nada. Mas continuo a lutar meigamente contra as ondas, como um cocker spaniel que vê o dono a afastar-se do lar, saindo para o trabalho de manhã.
Acaba o guito. Por mim dava por finda a minha actuação, mas ela pergunta-me se eu não tenho mais moedas.
Mau! Figuras tristes já eu fiz. Tiro as moedas do bolso direito e tenho ainda trocos. Dá mais de três euros, mas em moedas pequeninas. Experimento com uma de 50 cêntimos e cai. Passo-lhe as moedas todas pela ranhura, ela sai e volta com uma moeda de 2 e outra de 1. Recebo com mão esquerda, tipo aleijadinho, para não conspurcar a mão do action man.
— Não tens o vibrador na bolsinha?
Tem. É um vibrador doirado, pequenino, tipo modelo banal, de grande consumo. Mas diz com a cor dos cabelos.
— Isso não é muito pequenino?
— Não gosto de muito grande.
Meteu o vibrador sem problemas. Devia estar previamente lubrificado. Ou ela se lubrificou um pouco com a masturbação. Ou a excita um bocadinho exibir-se. Ou é completamente parva e excitou-se com a minha falta de tesão, pelo insólito.
— Não ligas o botão da vibração?
— Queres?
— Quero, se tu quiseres. Estou um bocado inibido e não vejo isto nada encaminhado para ter uma erecção.
— És solteiro?
Digo que sim. Ela espanta-se. Eu espanto-me sempre com a capacidade das miúdas de leste se espantarem com o facto de ser solteiro. E a naturalidade de encararem o facto de fazermos coisas destas às escondidas da esposa ou da namorada, coisa que me choca.
— Tens namorada?
— Não.
— Porquê?
— Não calhou.

(N.A. – Não calhou, o caralho! Eu não sou um sedutor nato, muito menos pato de Varsóvia com laranja)

(Já houve umas experiências maradas, com muito mercurocromo num coração em chamas. Já apanhei as pecinhas todas do meu coração por muitas vezes. Como um puzzle de cristais Swarowski comprado em Amesterdão, para dar a uma Helena de Almada. Houve Patrícias (6 anos), Anas Marias (12), Rosarinhos (12), Paulas (13), Marias João (16), Paulas (19)...eu sei lá. E mesmo uma Alexandra que julgava que eu era gay. Ideia que nunca me tinha ocorrido.
Houve espanholas com quem estive de mãos nas mãos e olhos nos olhos — de verde peppermint —, italianas que admirei ao longe a passar como miúdas da Martini em roller-blades de Riccione/95... italianas simonettadas que regressaram à cidade Eterna...).

Sou bom gajo. Não vejo as mulheres como um pedaço de carne ou forte a conquistar. E isso inibe. Se fosse tarado sexual esgalhava ali uma num ápice. Lá fora o elevador da Glória sobe e desce. Eu, lá dentro, sem glória, mantenho-me coerentemente “piça-mole”. Não tenho fé. Sem fé não se vai lá. E não é por falta de prática. Ainda digo à menina:
— Se estivesses deste lado para me ajudar era outra coisa.

(Seria?)

Ela manda-me levantar. Baixa a sua cabeça. Põe-se com a língua muito próxima do vidro, a simular lamber-me. Pois. Aquilo não é o famoso “Plato’s” de Nova Iorque, em que se metia a sarda num buraco e alguém tratava do assunto anonimamente, do outro lado.
Quase me dá vontade de rir. Mas percebo que ela tenta a sugestão erótica. Profissionalmente, dá o litro para ver se eu arrebito. Ou talvez comece a encarar a situação como uma derrota pessoal.
Mas eu também não queria que não houvesse vidro. Os tempos não estão para brincadeiras.
É como ir ao zoo ver o pavilhão dos répteis. A gente sabe que entre nós e a víbora do Gabão há um vidro de segurança.
Aquilo para mim é Playstation 2. É virtual!
E ela:
— Diz a posição em que gostas mais...
— Sentada de pernas abertas, com o vibrador, até estava muito bem. Mas eu não estava preparado. Fiz uma “directa” e não pretendia vir para aqui masturbar-me.
— Porquê?
— Sou tímido. Só queria ver como era.

(N.A. - É verdade, mas não lhe ia dizer que estava a escrever um livro. Ainda parava tudo e pedia para eu ir buscar mais moedas)

Acabou o tempo.
— Vais voltar?
— Olha lá, já te tinha dito que não estou a ganhar um tusto no jornalismo.
— Não gostas é de mim.
— Gosto, sim senhor!

(Sou uma boa alma. Mesmo nas alturas em que fui copiosamente derrotado não resisto ao “fair-play” de moralizar o adversário)

— Não gostas, não!

(Ai, o caralho!)

— Já é a segunda vez que me chamas mentiroso. Eu sou um homem de palavra.

(N.A. - E sou. Pelos vistos, não sou é um homem de tesão. Muitos aranhiços no sótão, na hora de entrar em campo. Como um recordista ibérico de punheta que falha nas grandes competições).

— Diz lá, vais voltar?
— É muito pouco provável. Não há grande motivação.
— Vais voltar no Natal! Gostava que voltasses. Acho-te simpático, mas um bocadinho solitário.

(Vou, pois! Abraçado ao D. Sebastião, numa manhã de nevoeiro, ao som das guitarras do Grupo de Rock ‘Os Bandarras’).

— É muito pouco provável, como já disse.
— Então muito obrigada. Um bom fim-de-semana.
— Muito obrigado. Para ti também.

Saio da cabina com elevação. Dizia o anúncio que antigamente um homem se distinguia pela barba, pela espada e pela camisa. Eu distingo-me pelos sentimentos elevados.
Passo pela cabina do moço dos trocos com o ar de quem acabou de beber uma imperial no café da esquina:
— Boa-noite. Até à próxima.
Penso: será que a miúda vai contar que acabou de sair um “piça-mole”? Ou é um fait-divers que lhe passa ao lado? Não estou muito preocupado. Fui ao “Peep” em missão.
Mesmo assim saio vergado ao peso da derrota, apesar de não ser nada do outro mundo. Acho que os gajos fixes como eu pensam mais nas coisas e depois... nicles. É K.O. à partida.
Deixam um gajo “blue” à brava. Cheguei a casa, lavei as mãos, lavei a sarda com álcool (algo ritualístico, talvez a purificar-me da derrota, o que eu gramava mesmo era imolar um político e arrancar-lhe o coração num altar asteca), mesmo sem ter acontecido nada de especial.


22h30m - Saí para jantar. Estou a escrever isto sentado no átrio do Monumental, por baixo dos cinemas. Em folhas de papel.
Para esquecer a depressão, vá de mamar duas Carlsberg e duas Superbock pretas, enquanto escrevo. Quando chegar a casa vou-me fartar de beber água, para compensar. A minha úlcera por certo compreenderá as razões do tratamento de excepção.
Podia perfeitamente passar sem dizer nada disto ao leitor.Mas achei que se deve imprimir uma certa dose de realismo. Seria cobardia literária e pessoal não assumir tudo.
Afinal, que mal me aconteceu?
Nenhum. Apenas quero chegar a casa e esgalhar uma, para provar que está tudo normal em Cape Canaveral.
A vida é uma coisa muito complicada. Sinto a cabeça pesada da cerveja e da “directa”. E umas saudades de morte do meu cão “Beauty”, que morreu em 1984. Queria deitar-me no chão, ao lado dele, em frente ao calorífero, e fazer-lhe festas no peito, num dia de trovoada. Apertando-o tanto, tanto, tanto, para ele não ter medo...
É justo a morte apossar-se de nós, como quem conquista um castelo?
Uma lágrima quer cair-me do olho. Tenho de ir ao WC e depois sigo para o Pasta Caffé, para comer uma lasanha.
Queria tanto que o mundo se amasse!
São 23h25m.

domingo, dezembro 02, 2007

26 de Novembro de 2004

Luís Graça, 0 - Hungria, 0
(Campeonato Distrital de Erecções da Junta de Freguesia da Assembleia da República. Uma noite no Savana Club)

16 horas - Toca o despertador. Ligo o computador. Acendo a luz. Abro o transístor no Rádio Clube Português. Bebo umas goladas valentes da garrafinha de meio litro de água do Luso. Vou à cozinha. Bebo um danoninho de Strawberry Cheesecake. Lavo os dentes. Regresso ao quarto.
Ligo a Net. Não há mensagens do senhor do calendário. Fico ansioso. Agora já não estou ansioso com a Presença. Estou ansioso à espera de uma mensagem da ASA e outra do senhor dos calendários. Mas vocêses estão-me a morder a cena? O texto é o menos. Um jantar com doze modelos? Ouviram bem? Um jantar com doze modelos! Sim. E magníficas, nas palavras do meu amigo e ex-professor Miguel Martins. E o homem sabe do que fala.

19h45m - Nos correios do Corte Inglés, a pagar contas. Compro uns sabonetes do Roger Gallet e um protector labial da Agata Ruiz de la Prada. Tenho uma série de cadernos da chavala. Ainda perguntei se o protector dos lábios era para os dois sexos. Disseram-me que sim. Venha de lá esse sabor a Kiwi. O treinador Raúl Águas (um bacano, com quem privei nos tempos em que cobria o Sporting para a Gazeta dos Desportos) era um grande plantador de kiwis. Mas não foi por isso que comprei a caixinha.

20h30m - Em casa, a jantar em super-speed, enquanto vejo no Eurosport o slalom gigante de Aspen. Senhoras. Dá para ver logo que são as senhoras por causa do volume do rabo nas curvas. Desta vez é mesmo rabo com caixa baixa. Não estou a falar do grande Alvarez Rabo.

21h30m - Sentadinho na Culturgest, para mamar os filmes premiados do Cinanima. Quer dizer, metade deles. Os outros fugiram-me na noite anterior. Banquete à borla, cortesia da Culturgest. Verdadeiro serviço público, senhoras e senhores, meninas e meninos.
Vem o primeiro filme (Wind along the coast, Ivan Maximov, Rússia, 6 minutos) e é logo um vendaval de qualidade, sentido de humor, ternura, imaginação. A confirmar a vitalidade do cinema de animação russo, que não é só Alexandre, o Grande, Petrov.
Bato palmas no final. Sou o primeiro a bater palmas na sala praticamente cheia. Uma miúda três lugares ao lado olha para mim e ri-se. Não está habituada a ambientes de festival. Acha que é parolice bater palmas. Deve ter mudado de ideias ao longo da sessão. A sala está cheia de chavais e chavaias, aí pelos vinte e crescem mais uns quantos.

As melhores piadas não percebem. Mas riem muito quando vêem alguém a chocar contra uma parede. Podia falar de mais uma série de filmes, mas falta-me espaço para falar de gajas e hoje fui ao Savana Club. Os tarados sexuais que compraram este livro merecem o meu mais profundo respeito e por isso peço desculpa aos amantes de cinema de animação. Para esses, defendo-me alegando que já organizei um ciclo de uma semana de cinema de animação (Filotoon) na Guilherme Cossoul. E nunca organizei um ciclo de cinema pornográfico. Olha, isto deu-me uma ideia...

(É perfeitamente possível conciliar a tara sexual com o cinema de animação. Nem falo de mim. Pensem no grande filme “Tarzoon, a vergonha da selva”, do Michel Picha. O nome do homem é mesmo assim. O que querem? Vi o filme no Éden, antes de destruírem essa pérola do Cassiano Branco. É por estas e por outras que o futuro é negro. E nem sequer estou a falar da cor do meu coiso. Há mais taradices sexuais no cinema de animação. O “Fritz, the cat”, por exemplo. E são dois grandes filmes! Tomem e vão-se curar!)

23h10m - Encontro o Geraldes Lino na saída da sessão. O Lino faz-me parar e põe-se a olhar para a escadaria. Não tem nada a ver com fixação numa cena do “Couraçado Potenkin” (os brasucas chamam o encouraçado, ah! ah! ah!), em que o carrinho de bebé vem por ali abaixo. O Lino quer ver se estava mais malta da Tertúlia BD na sessão. Encontramos o Marte, que vem a sair com um garruço à “Os canhões de Navarone”. O David Niven e o Gregory Peck tinham uns barretes do estilo.
Vou para o Bairro Alto. Ofereço um “De boas erecções está o Inferno cheio” ao Miguel Martins, no bar dele. E um “A Idade das Trovas” à Ivana, uma sócia do Holmes Place que mora perto de mim e é um miminho. A Ivana trabalha no bar do Miguel. Mais um motivo para frequentar mais o bar. Gosto muito mais da Ivana do que do IVA, mas em qualquer das situações preencho as declarações a zeros.

01h15m - Chego ao Savana Club, que me tinha sido aconselhado pela Débora, no 69-B, (ex-Skylab), há mais de um ano.
Sentam-me numa mesinha acolhedora, tal como o clube, cheio de telas a óleo de ressonância savanesca. A começar por duas panteras negras, uma em cada parede principal do clube, que tem também um par de bolas de espelho. O palco para as strippers tem o tradicional varão central, um espelho grande por trás e a novidade de um corrimão de madeira, tipo saloon, que permite às strippers deitarem-se de costas no dito.

A empregada vem-me perguntar se quero tomar algo. Pode ser, Ambrósio. Um vodka Absolut, a 10 euros. Não há Ablosut Citron? Venha então com sumo de laranja. Vem. Também não havia motivo nenhum para não vir. Peço uma palhinha. Vem uma palhinha, embrulhada num guardanapo de papel.
A seguir vem uma menina loura, esguia, de vaporoso vestido azul, a condizer com os olhos. Beijinho no rosto, posso sentar-me, fáxavor, tudo bem, tudo. Simone. Húngara. De uma terra a 200 quilómetros de Budapeste. Está há uns anos em Portugal. Mas ainda não fala português muito bem. Governamo-nos sem problemas em inglês.
Pede-me uma bebida. Há bebidas a 25 euros e a 50 euros, para as meninas. Está bem, pronto, venha lá uma de 25. Um dia não são dias. Vem a bebida de 25.
Digo que nunca estive na Hungria, mas perdi uma ida a Budapeste de moeda ao ar, nos tempos da Gazeta dos Desportos. Fui parar ao Mónaco, com o Belém, em vez de ir a Budapeste com o Benfica. A propósito do Belém, falo dos pastéis. Ela conhecia. Olá se conhecia!
Digo que sou jornalista, ela interessa-se, ponho-me a mostrar o cartão do CNID, o da Sociedade Portuguesa de Autores. Enfim, foi um ver se te avias da carteira a despir-se progressivamente de cartões. Um card-strip, por assim dizer.
A conversa vai parar à situação da mulher na Hungria e em Portugal. Ela gosta do nosso país, mas diz que na Hungria as mães podem ficar três anos em casa. Aqui é só uns meses. Isto revolta-a. Sabe que ganha bem comparativamente a um português, mas alerta-me que nem é assim tanto. Faço contas para umas seis ou sete vezes mais que um ordenado médio. Ela baixa-me a parada para três vezes mais. Tem um “manager”, que lhe trata de tudo. Gosta do “Savana”. O clube tem uma Anastasia, uma Júlia, uma Rute, uma Carla. Há brasileiras, portuguesas, uma checa, uma da Letónia (se disser letona proporciona rimas chatas), é tutti-frutti, senhores ouvintes. Numa noite normal dá para fazer uma equipa de andebol de 7 e sobram duas a jogar ao banco.
— És casado?
Não sou. Fica muito espantada. Eu é que fico sempre muito espantado. As miúdas de leste, e muito particularmente as húngaras, ficam sempre muito espantadas por verem um gajo solteiro. Olha que porra! Estou muito bem assim.
— Não tens filhos?
Não. Tenho filhos espirituais: os meus leitores.
Lá desbobino. A vida está má, não dá para comprar casa, blábláblá.
— Na Hungria os jornalistas ganham bem.

Parabéns e um queijo da serra. Eu não ganho um cêntimo há dois anos. O que é muito diferente de não trabalhar. Mas a rapaziada aqui habituou-se a dar a “boca”. É para o tecto, senhores ouvintes. São duas da manhã e está tudo bem. Não há vivalma na Rua Borges Carneiro.
A propósito de carneiro a conversa vai parar aos signos. A menina é Carneiro com ascendente Escorpião. Puxo logo dos galões: eu sou Escorpião com ascendente Escorpião.
— Como é que se sabe o ascendente?
— É pela hora do nascimento. Eu nasci às 08h30m.
(Tinha de pegar às 9 na oficina. Havia um Fiat 600 com problemas nos platinados).
— Eu nasci às 8.
— Eu sou Tigre na astrologia oriental.
— Na chinesa? Eu sou cavalo.
Bem, o tigre e o cavalo foram fazer um Private Dance. Já sabem o esquema. A menina pergunta se pode beber mais um drink, em meto o atalho na conversa e vai de ir para o Private (40 euros).
Ela já estava com frio na mesa (Eu: não tens vergonha? Uma húngara com frio em Portugal? Ela: Olha lá, a porta está aberta e o vento vem para aqui. Na Hungria não ando assim na rua, aqui estou quase nua), mas a cabina do Private ainda estava mais ao pé da porta.
Sofá grandinho. Coloco-me ao centro. Já sei das regras da paróquia e não quero chatear as reverendíssimas.
— Fico ao meio, não é?
Poistáclaro. Mãozinhas sossegadas, como habitual. E o erro do costume, por causa da época de Inverno. Calças de bombazina, que diminuem a sensibilidade do Luisinho. Sou muita estúpido.
O vestido azul lá vai saindo do corpo da Simone, mas o fio com o símbolo do Carneiro fica preso.
— Time out! Não contes comigo para ajudar. Sou um grande nabo em questões técnicas.
Aí uns 30 segundos depois prosseguiu o strip.
— Que tatuagem é esta na barriga?
— Nada. É um desenho abstrato.
Tá certo. A menina desce na vida. Fica de joelhos. Mergulha de cabeça até ao solo. Os longos cabelos compridos volteiam no espaço, como se fossem pilotados pelo Michel Tanguy, o Jaime Eduardo de Cook e Alvega ou o Barão Vermelho. E agora, senhores ouvintes, uma novidade: marradinhas roçagantes nas partes baixas. A nuca da menina no Luisinho e seus acólitos hortícolas.

Não é nada mau. Mas precisava de mais insistência para o Lusinho abandonar a sua proverbial horizontalidade e levantar-se. Penso: vai, Luisinho! É o nome de Portugal que está em causa. Ficava bem uma saudação à menina.
Mas a coreografia vai mudando e vamos trocando de sorrisos. O número dos seios no Luisinho não é utilizado e o Luisinho adora particularmente essa variante. Paciência!
Depois a Simone dá-me espaldas, já toda desnuda. Puxa-me profissionalmente as pernas para a frente. Ficam totalmente esticadas e num ângulo de 45 graus. A húngarazinha querida senta-se na bancada central e gira como num rodeo do Texas. Gosto. Sem reservas. Com mais insistência, o Luisinho ia lá. Quase dá para pedir:
— Esqueça o resto do número. Fique sintonizada nesta estação até ao final da sua actuação.
Não peço. Elas é que sabem. Elas é que são as profissionais.
De modos que o Luisinho não chegou a abandonar a sua horizontalidade.
— Então, Luisinho? A passarinha da menina esteve a milímetros da tua cara...
— Ah! não vale, não vale. Tens de me pôr é no campo de batalha, não é nestas playstations de simulação. Eu já sei que é só o aquecimento e depois as equipas recolhem aos balneários... como é que queres que me motive...
— Isso são desculpas de mau entesador.
— São mas é o caralho! Já sabes do que eu sou capaz. Mas isto aqui não é tudo à Lagardère.
— Conheces a estocada de Philippe de Nevers?
— Ó pá, vai dar banho ao cão!
— Não gostaste da Simone?
— Gostei, meu.
— Então?!?
— Então, isto não é de caixa automática. Estás para aí a cantar de galo não sei para quê. Pediste uma Private bem comportada e depois querias ópera? Olha, paga-me mas é uma Contact como deve ser, em que há muito mais coiso-e-tal e depois falamos. Eu sou um gajo tímido e bem formado. Também não ajuda muito. Os taradões é que vêm para aqui e entesam-se logo. Mas depois não dão uma para a caixa na conversa com as miúdas.
— Vais-me dizer que não sou eu que falo com elas? És tu, queres ver?
— És tu, claro. Mas inspirado por quem?
— O quê?
— Claro que é inspirado por mim. As tuas conversas são do caralho. Puseste-te a falar à miúda dos desenhos animados do Nick Park...
— Atão, vim de uma sessão do Cinanima, estava influenciado. E não foi só. Repara que a miúda também me falou que tinha visto um filme de zoofilia na Hungria. Mulheres a ter sexo com cavalos e cães. E uma cobra! E um homem a ter sexo como uma galinha!
— E o que é que tu disseste a seguir?
— Lembrei-me de um artigo que li sobre o Dali. Dizia que o gajo gostava de se vir a enrabar um pato, enquanto o estrafegava.
— Achas isso bonito?
— Não, acho abjecto. Eu mostrei-me muito chocado e a miúda também.
— Mas como é que a conversa foi parar aí?
— Olha, estava a falar-lhe do meu conto “O homem que sodomizava cães de raça” e fomos lá dar.
— E ela acreditou que eras um gajo normal?
— Na boa. Percebeu que eu era um quarentão castiço, maluco, com grande criatividade e uma pancada pela escrita.
— Ai foi?
— Pois foi. Disse-me ela: “Histórias não te faltam. Dizemos uma palavra e tu não paras”.
Depois a Simone teve de ir dançar. E dançou muito bem. Eu mudei de mesa para perto da pista e pedi mais um Absolut. Um dia não são dias. Depois a Simone mudou de vestido azul (havia muito azul no clube, até o sabão da casa de banho era um cheiroso Liquid Soap Marine Blue, mesmo ao lado da Entrée des Artistes, onde as meninas se equipam) para perto e voltou para mim. É uma maneira de dizer.
— Danças muito bem e gostas de dançar. Tens escola ou é sensualidade natural.
— No strip é sensualidade natural. Não tive escola. Mas danço desde os cinco anos.
— Ah! é? Ballet?
— Ballet, rumba, salsa, tudo… até fui majorette.
— Que giro! Aqui em Portugal não há tradição de majorettes.
(É mais major Valentim Loureiro nas manchetes)
— Na Hungria há. Tínhamos um grupo e fizemos uma digressão por França, Espanha, em três camionetas... em França estivemos em Nice, Cannes...
— Ô, la Côte D’Azur...

(sempre gostei muito desse detergente. Dava bonecos do jardim zoológico. Alguns já saíam da caixa sem se aguentar em pé. Foi através do azur que fiquei a saber da existência do boi-cavalo, que é um eufemismo para hooligan de futebol).

— E sabias atirar o pau ao ar?
— Ah! pois! O stick, não é?

Quem diz stick diz Dick. Quem diz Dick diz Dick Hard. Quem diz Dick Hard diz “De boas erecções está o Inferno cheio” e a conversa voltou aos livros, à poesia e às minhas ordinarices. Mas ela achou piada.
— Vai mais uma Private Dance?
— Não, obrigadinho. O budget já só dá para o táxi de volta.
E então ela despediu-se, muito simpaticamente. Tempo total de antena: hora e meia. Ou mais. Clube quase a fechar. Vejo mais uns strips de miúdas do “Savana”. Os seios delas são pequeninos. A Júlia não sorri e controla muito o espelho. Duas brasileiras riem muito na mesa de um cliente engravatado. Quatro jovens entram no clube quase às quatro da matina:
— Da outra vez fiz uma Table Dance com uma gaja da Letónia...
Peço a conta. São 85 euros. Vida de rico feita por um pobre diabo em crise de erecções. De consciência tranquila e por vezes frouxa pila.
Pago. Dou uma nota de 5 euros de gratificação. Peço uma base de copo, para ir pedir um autógrafo à Simone. Tenho autógrafos de strippers há muito tempo. Acabam por me dar uma lista do “Savana Club” e um coisinho de pôr nas mesas a avisar a malta: “Por favor... Não... não toque, não grite, não faça propostas, não fale mal! Respeite estas regras, se não as cumprir pode ser que tenha de sair”.
Inteiramente de acordo. Que pena as regras do “Savana” não serem cumpridas poucos metros abaixo, na Assembleia da República.
A Simone não percebe por que motivo me há-de dar um autógrafo. Explico-lhe. Lá me dá um autógrafo.
— Agora vais mostrar a um grafologista, para descobrir mais sobre mim?
— Não vale a pena. Já te vi nua.
Tive ainda tempo para perguntar a uma empregada o que é um “Especial Show”.
— Ah! é mais para as despedias de solteiro. O rapaz ou o senhor, como é o seu caso...
— Olhe, eu sou veterano no pingue-pongue do Inatel, mas no campo literário ainda sou considerado um jovem poeta...
— Pois, como eu dizia, é mais para as despedidas de solteiro. O senhor é levado para cima do palco, senta-se no banco e elas brincam com ele e despem-no.
— Se vai para o palco, devia era ser remunerado e não pagar.
— Não é ele que paga. São os amigos.

Saio. Noite fresca. Venho a pé até ao famoso Jardim Cinema, Loucuras, como lhe quiserem chamar. Depois apanho um táxi e saio no Saldanha. O que falta fazer? Não sabem?
Meus (e minhas) é contar putas!

04h35m - Uma volta ao Técnico. Há 13 pedestres e duas auto-putas. Às 04h40m ouço um pssst. Era uma pedestre que queria saber as horas. Estava a fechar a loja.
Recolho às cabinas. Vejo a Net. Escrevo o diário. São 7h28m. Vou passar os olhos pelas gordas dos jornais em super-speed.
E vou sonhar que tenho uma húngara loura, chamada Simone, a dormir ao meu lado, a chamar-me ‘Meu Príncipe, encantado’.
Com a minha sorte, é óbvio que o sonho rapidamente se transformaria em pesadelo. Já estou a ver o João Baião
(é verdade! Já me ia esquecendo! Encontrei-o no Corte Inglés, fui-me a ele e felicitei-o pelo poema do ‘Fadas Láureas’. Ele ainda se vai encontrar com o casal Louro, para falar do livro)
a entrar-me no sonho:
— Tem uma húngara na sua cama e é o Príncipe Encantado? Cuidado! Não deixe que ela o beije e o transforme num sapo. Mas, se fôr caso disso, agora com o Sapo ADSL você até vai andar de mota!

Pronto. Este é o diário do dia em que não me perdi no “Savana”. E o recibo ainda tem o nome do antigo bar: “Zeferinos Café Concerto. Rua Borges Carneiro, 38-A, 1200-619 Lisboa”.