domingo, janeiro 07, 2007

6 de Outubro de 2004

António José de Almeida, 24 Dr. Sousa Martins, 0
(número de putas de serviço ao Técnico e ao Campo Santana)


15 horas

Saio da cama. Tenho de ter cuidado com a hora do almoço, já que pretendo fazer a aula de hidroginástica das 18 e 45 horas. Convém ter a digestão feita.
Vou aos correios da Av. João XXI, colocar um envelope em correio azul. Lá dentro vão currículos meus e três poemas inéditos para a Universitária Editora. A ideia é fazer duas antologias, uma de homenagem ao Machado de Assis (Maio) e outra de homenagem ao Pablo Neruda. Li a carta do meu amigo Cristino Cortes com velocidade a mais e só fixei a palavra “inéditos”. É provável que os meus poemas sejam “desclassificados”, por não aflorarem Machado de Assis ou Pablo Neruda. Se isso acontecer, é muito bem feito. Acho bem que não abram excepções a quem não cumpre as regras.
O Gonçalo Salvado convidou-me para escrever um poema sobre o “Cântico dos Cânticos” (para outra antologia poética) e aí vou ter mesmo de estudar, para enviar um poema a sério até ao final de Outubro.
A estação dos CTT está cheia de balões verdes, a promover o novo correio verde. Ao lado, toda a quinquilharia do meu amigo Kinas está ainda bem visível, vários meses depois do Europeu. Há ainda um jovem muito educado a “cravar” pessoas para apoiar um projecto de benemerência que envolve os guarda-redes Vítor Baía, Moreira e Nélson.
Os correios lembram uma mistura entre Loja dos 300 e Feira do Relógio. Lá meto o meu envelope em correio azul e saio ao de leve, atrás de uma miúda gira que não me ligou pevides, para variar.
Próxima paragem: Apolo 70. Há que tirar várias fotocópias à notícia do DN, em que aparece um Manuel Rosa Dias persignado, a cumprimentar o Dr. Jorge Sampaio, por ocasião da investidura da comenda da Ordem de Mérito. O artigo recolhe opiniões de malta do DN-Jovem, entre os quais Pedro Mexia, José Mário Silva e José Luís Peixoto. Rapaziada da fornada dez anos abaixo de mim.
A loja de animais do Apolo 70 apresenta nas suas vitrinas com vista para a escada um par de gatos e um par de cachorrinhos. Os gatos são persas, os cães não tinham a raça escrita nos vidros, que me lembre. Meto o dedo dentro da montra. Os dois persas atiram-se ao meu dedo como gato a bofe. O que vale é que quase não têm unhas. Os cãezinhos também se atiram ao meu dedo movediço, na vitrina ao lado, mas estão a dar cambalhotas involuntárias para trás e tenho medo que se magoem.
Vou tirar as fotocópias e tenho sorte. Despacho-me rapidamente.
Na saída, os gatos persas (a 450 euros o macho) estão filosoficamente deitados, em pose aristocrática. Os cachorrinhos estão em animada peleja, indiferentes ao pouco espaço de que dispõem. Arranjaram maneira de adaptar o jogo da corda. Cada um puxa pelo mesmo bocado de ráfia. Estão muito animados.
Vou ao clube de vídeo Big (na João XXI) ver o que há de novidades. Não alugo nada. À saída, estão dois jovens sentados num banco em frente. O dia está radioso (outro dia de Verão) e um deles desabafa:
— Foda-se! Que calorão! Estou farto de calor! Venha a puta da chuva!
Não consigo dizer o mesmo, apesar do calor me incomodar um bocado. Mas esta luminosidade mediterrânica é uma bênção para a alma.
Vou direito à Gulbenkian. Ao pé da Universidade Nova, antes de atravessar direito ao monumento de homenagem a Azeredo Perdião (já nos jardins da Gulbenkian) reparo nos relógios/termómetro. Um marca 30 graus e 17 horas e 26 minutos. Outro marca 27 graus e tem oito minutos de diferença.
Chego ao anfiteatro da Gulbenkian e não me caíram os tomatinhos porque não calhou. Levo 20 anos de anfiteatro e nunca tinha deparado com tal cena: uma chavalinha dos seus 18 anos, look radicalmente jovem (ténis tipo bota de pugilista, em vermelho-vivo, T-shirt de alças rosa, cabelos pretos com um totó apanhado ao lado) está a fazer tricot!
Leio A BOLA e o PÚBLICO. Passo pelo Holmes Place a recolher a senha da hidroginástica. Vou a casa buscar o equipamento e ala que se faz tarde. Entro na água perto do início. A aula teve perto de 15 pessoas, com 4 homens. Trabalhámos com esparguetes e foi uma sessão puxada e divertida. Passou o tema musical da “Fama”, já perto do final.
Regresso a casa para jantar.
Finda a refeição, decido-me por um passeio até ao Campo Santana, para observar que tal vai aquilo de putas. É preciso peregrinar por várias zonas de putas, não nos cingindo comodamente ao Técnico. O leitor(a) deve ter uma perspectica abrangente do fenómeno.
Cruzo-me com a primeira senhora na paragem em frente à Academia Militar. Não me apetece abordá-la, apesar de minha missão implicar uma auscultação dos preços de mercado. Pensei: “Vou começar mais à frente”.
Pelas 23 horas e 15 minutos estou banzado. Uma volta ao Campo Santana e zero putas à vista. Muito cedo? Coincidência? Fauna em extinção na zona? Noite de quarta-feira a explicar tudo?
Não faço ideia. Antigamente, havia ali muitas putas. Que será feito delas?
Finalmente, o jardim está como deve ser e já não há tapumes. Um quarteto de moradores joga à bisca numa mesa do jardim, um jovem passeia um Golden Retriever que não me liga nenhuma, uma puta duma aranha pôs uma teia no meu caminho e obrigou-me a tirar os fios do rosto. Bem, está na vida dela, coitada, calculo que lhe fosse mais agradável outra forma de sobrevivência. A outra da Gulbenkian fazia tricot por hobby, a Aranha é por motivos de sobrevivência. Há que respeitar.
A estátua do Dr. Sousa Martins está cercada por centenas de placas de pedra com agradecimentos. Há uma espécie de pequeno santuário muito cuidado, com velas acesas. Há quatro ou cinco senhoras que aproveitam a noite amena para cavaquear nos bancos à volta da estátua.
Decido não regressar em demanda de putas ao Campo Santana. Ou há ou não há. Eu podia muito bem ter ido ao cinema ver o “Gangue dos Tubarões”. Ou ter ficado em casa a ver a “Frida” na televisão. Não há putas, tudo bem.
Vou pela Columbano Bordalo Pinheiro abaixo e começo a deparar com fantásticos nomes de pensões e residenciais: Aleluia (rés-do-chão), Lucky (no 1º andar, mesma entrada da Aleluia), Santana. Depois um restaurante com bom aspecto: D. Luciano.
Sigo por ali abaixo e dá-me para espreitar um snack-bar com mesas de snooker (três), mesmo ao lado do “Elefante Branco”. Ninguém está a jogar snooker. Os computadores com jogos também estão vazios. Uma menina que podia ter saído de um filme de Godard fica por ali meia-hora a fumar e a rabiscar coisas num caderninhos. Um grupo de três jovens conversa sobre as aulas. Pedi um carioca de limão, um licor Beirão e uma água.


23h37m

O porteiro do “Elefante Branco” espreita pela primeira vez.
A televisão mais próxima da saída está ligada na MCM: “Face à la mer, je suis près de toi...”. E depois falava de lágrimas, desilusões amorosas e toma lá fresquinho, embrulhado para a juventude.


00h04m

A miúda gira sai da sala, sem se dignar lançar-me um olhar de lascívia ou comiseração. Aproveito para ler em A BOLA (ainda faltava ler um bocadinho) o resultado dos sorteios para as competições europeias. Os meus “leõezinhos” vão levar com os “leões” do Sochaux, o Newcastle, o Panonios e o Dínamo de Tbilissi. Na pior das hipóteses são quatro derrotas. O que é isso para a gente?


00h20m

Venho para a porta, mesmo ao lado do “Elefante Branco”. Fico por ali um bocado a ouvir as conversas dos taxistas que têm os carros estacionados em frente, à disposição das senhoritas que saem com os clientes. Dizem eles que o movimento está fraco. Mesmo assim há um certo ritmo. Há muito tempo que não entro no “Elefante Branco”. Já lá assisti a um amigo meu a oferecer livros de poesia às meninas. E a irmã dele (licenciada em Filosofia) a questioná-las, filosoficamente, sobre a vida que levavam.
Passado um bocadinho, dois espanhóis saem com duas brasileiras. Penso que são duas brasileiras, mas falam espanhol. Um deles puxa a loura pelo braço e rapidamente decidem o plano de ataque, mesmo ao meu lado. Ele quer passar a noite com ela. Ela fica espantada, mas satisfeita. Ele oferece 200 euros e diz que é o preço em Espanha. Se não é assim, é parecido. Estou perto, mas não ouço tudo. O certo é que chegam a acordo por 300 euros e ela ainda diz:
— Mas estou em exames. Quero um presente.
(Deve ser é parva. Um gato persa custa 450 euros e é para a vida toda).
O espanhol tem muita piada. Pode já ter bebido uns copos, mas não é tudo por causa disso. É um tipo giro. Abraça a loura e dá-lhe uma palmadinha amigável no rabo, antes de entrar para o táxi.
O outro espanhol tem um aspecto físico muito diferente. Veste fato e gravata, é elegante. Poderia ser um bandido mexicano ou um alto quadro da Caixa-Geral de Depósitos. Está com uma morena de fazer parar o trânsito. Espera que o amigo acabe de fazer a festa, deite os foguetes, apanhe as canas e faça moinhos.


00h35m
Uma noite cara demais.

A propósito de fazer parar o trânsito, saibam os leitores (as) que há dois tipos de classes a frequentar o “Elefante Branco”: os habitués que saem de uma grande “bomba”, dão a chave ao “vallet” e entram no clube com um sorriso de quem está bem na vida; os novatos e os estrangeiros que arrumam o carro onde calha e às vezes têm surpresas.
Dois amigos saem com uma brasileira loirinha, bem lançada, jovem e muito apetitosa. Um tem pinta de nhónhinhas, o outro não. O nhónhinhas fica com a brasilieira. O amigo vai buscar o carro ao fim da esquina.
“Surpresa!”. E não era a Daniella Cicarrelli outra vez.
E à Polícia Municipal não se pode responder: “Ó Daniela, agora não dá”.
Pois. O senhor tinha o carro multado. Desci um bocadinho no quarteirão e fui lá ouver (ver e ouvir, como diz o José Duarte do jazz) o que se passava. O diálogo estava correctíssimo. O senhor polícia (impecavelmente fardado), numa voz de mel, explicava que ia buscar o P.O.E (se não é isto é parecido) para que o senhor pagasse logo. Ou então depois chegava-lhe a multa pelas vias normais. E era uma agente loira (grande “brasa”, até as agentes da Polícia Municipal são giras, para as bandas do “Elefante Branco”) que tratava da papelada.
Volto para cima. Reparo que a menina brasileira tem um aparelho nos dentes. Fico muito satisfeito com a descoberta. Primeiro: não há discriminação no local de trabalho. Com ou sem aparelho, está em condições de trabalhar. Eu andei 8 anos com aparelho (dos 10 aos 18) e isso fortaleceu-me o carácter. Além de me ter provocado várias hemorragias labiais, quando levava uma bolada a jogar futebol ou uma cabeçada de um basquetebolista adversário que se levantava de repente quando eu o estava a marcar.
Questão importante: eu não fiz sexo oral a ninguém, enquanto tinha aparelho. Quais os riscos que correm os clientes? É que um homem não é de pau.
Apanho um resto de frase à menina, que falava com o nhónhinhas: “São mais 7, porque é mais flexível...”.
Poderia tentar interpretar a frase, mas abstenho-me. Ao invés, deixo um poema do meu livro “De boas erecções está o Inferno cheio”: Se vou às putas/nunca me venho/não se deve gozar/com quem trabalha.
Volto ao meu poiso, ao lado do “Elefante Branco”. Espreito as camisas da pequena loja ao lado. Bom material.
Em frente, do outro lado da rua, há meninas bonitas a passar, com clientes pela mão. Mas não são meninas do “Elefante Branco”. São meninas oriundas de outras paragens, embora próximas: Av. Duque de Loulé. Andam à procura de uma porta verde, mas baralham-se, porque há 3 ou 4 portas verdes todas iguais. Lembro aos mais distraídos que “Behind the green door” é um dos grande clássicos do porno, com Marilyn Chambers. Passou na cinemateca e teve lotação esgotada. Vi em VHS e achei uma seca psicadélica. O mesmo não posso dizer da Chambers.
Atrás da porta verde, em frente do “Elefante Branco”, o que se passa? Pedro Abrunhosa responderia com o título de um dos seus temas mais famosos.
Por mim, dava de solex até casa. Mas quis ver (no interesse dos leitores e leitoras, que eu não tenho a cronometragem por hobby) quanto tempo levavam as meninas a sair com os clientes: à volta de 45 minutos/1 hora.
Lá saí atrás de um parzinho. Ela deixou o módulo na esquina, com um beijinho; e entrou num clube da Duque de Loulé. Como diria o reverendo Teodoro Marques da Silva, nas suas belíssimas prelecções televisivas: “E a vida continua”.
Atrás de mim, grande confusão. Um homem batia com a porta do automóvel. “Mau”, pensei, queres ver que vai haver estalo? Ou, como dizia a malta na Escola Preparatória Eugénio dos Santos: “Porrada, pera, molho e batatada”.
Não houve porrada. Pelo menos entre pessoas, que o senhor deu porrada no próprio carro. Estava sem gasolina. Tinha de ir até às Amoreiras resolver a situação. Alguém tinha de o desenrascar. Eu não podia fazer nada e regressei a casa. A noite estava magnífica. Acabei por entrar no Galeto. Sabe-se como são as tertúlias no Galeto. Só acabam porque tem de ser. Venho para casa. São agora 5h19m. Vou-me ficar por aqui. Um dia destes há mais diário.
(Ei, pá, 79 mil e 173 caracteres... por este andar acabo o diário no final do mês).

Ah! é verdade, já me esquecia: antes de ir para o Galeto dei uma volta ao Técnico, para ver se também não havia putas, como no Campo Santana. Foi uma volta rápida, sem reparar em nada, só a contar: 24 putas, sendo que cinco são auto-putas habituais, ao lado da estátua do Tó-Zé. As outras 19 encontravam-se de pé, pelas 2 da matina. A miúda da camisola à Feyenoord estava um bocado desconfiada com um carro cheio de três galfarros e não sabia muito bem se havia de ir ou não. Quanto a mim, correu tudo bem. O meu olho clínico diz-me que eram grunhos bem-intencionados.
Este é o diário da noite em que fiquei a saber a diferença de preços entre uma puta de luxo do “Elefante Branco” e um gato persa da loja do Apolo 70.

4 Comments:

Blogger bolas de sabão said...

:)adorei a do aparelho dos dentes... realmente aparelho e sexo oral é uma questão controversa. Ainda me lembro (k tb não foi há assim tanto tempo) quando usava e os amigos se aproximavam e muito timidamente (alguns) diziam: "olha, posso perguntar-te uma coisa sobre isso que tens nos dentes?". à 3ª ou 4ª vez, já antecipava a questão. era um fartote de rir!!! agora a resposta... :))) ***

12:49 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Antes de mais, uma correcção: a rua não é a Columbano Bordalo Pinheiro, mas a Luciano Cordeiro.

Minha cara Bolas de Sabão: rigorosamente verdade, o pormenor do aparelho. Quando eu tinha treze anos as minhas aulas de francês no Liceu Camões eram um delírio: não se percebia quase nada do que eu dizia. O aparelho punha-me a falar tipo sopinha de massa. E em francês, então, era um espectáculo. Geralmente, a professora desistia de perceber o que eu dizia e seguia em frente.
Um dia levei um estalo de um colega, na brincadeira, e caiu-me o aparelho numa poça de água do pátio do liceu.

Dois anos volvidos em relação à escrita do livro, não faço ideia de como estão as coisas lá pelo "Elefante Branco". Mas na Duque de Loulé o movimento de madrugada continua insistente.
Os preços baixaram, devido à crise.

7:52 da manhã  
Blogger Capitão-Mor said...

Estou banzado com a sua escrita. Mas olhe que o Campo Santana é uma área duvidosa. Proliferam os "she-males"!!!! :)

10:12 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Esta é a minha escrita mais de T-shirt, segundo classificação de uma amiga dos tempos do DN-JOVEM, a Helena Morais. Se fôr ao 'Varanda das Estrelícias' e clicar no Espaço Aberto, porcurando Luís Graça, tem textos para todos os gostos.

Quanto ao Campo Santana, já não vou lá à noite há muito tempo. Nesse dia fui de propósito e acho que me fiquei por aí.

Não fazia ideia que os "she-males" andavam por lá. Vejo-os no Conde Redondo e na Praça José Fontana.

4:37 da manhã  

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